Memórias
Cheguei ao meu destino na hora exata. Às 15 horas, em ponto, estava a encarar o portão e inspirar profundamente em busca de coragem. Empurrei o portão e entrei.
Era uma casa antiga. Telhados altos, janelas trabalhadas e aquele ar de que tudo passa mais lentamente. Muitos cômodos, paredes grossas e o piso que desenhava como um cleidoscópio as estrelas no chão da sala. Os móveis eram escuros, sóbrios, como se guardassem segredos de uma vida inteira.
E guardavam mesmo. Aquela era a casa dos meus avós. Aqui meu pai fora criado. Teria corrido por esse jardim? Pulado essas janelas? Eu não sei. Não conheci meu pai. Estava ali, naquela casa imensa e vazia, porque a recebera por herança de um pai que, em vida, não fora capaz de me legar um ensinamento sequer.
O advogado me esperava lá dentro.
- É uma bela casa. Você teve muita sorte! A maioria só herda as dívidas... - sorriu e me deu um tapinha no meu ombro.
Diante do inoportuno comentário, esbocei um sorriso e percorri a casa inteira, deixando para trás o meu companhante.
- Vai vendê-la? Tem excelente localização, você vai conseguir um bom dinheiro por ela. Se quiser, tenho um amigo...
- Não estou interessado em vendê-la. - atalhei. - Preciso assinar mais alguma coisa?
- Não. - disse o advogado com ar de ofendido - aqui estão as suas chaves e a escritura do imóvel. Boa tarde.
Nem me preocupei em levá-lo até a porta. Estava absorvido pelas memórias que a casa guardava. Não eram minhas, propriamente, mas estava certo de encontrar muitas respostas ali.
Passei aquela sexta e a madrugada do sábado revirando móveis, folheando álbuns de fotografia, lendo diários e montando na minha mente, peça por peça, o quadro da minha família. Descobri bondade e maldade, generosidade e mesquinharia, bons e maus tempos.
Pela manhã estava satisfeito, como quem vem de um banquete. Meu pai gora tinha rosto, sentimentos, fraquezas e virtudes. Era uma pessoa enfim.
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