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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

CONTO


Marcos entrou apressado no elevador. "Atrasado de novo!", pensou. Olhou desesperançoso para o relógio, que já marcava 8:15 da manhã. Deveria estar no trabalho às 8; ainda teria, na perspectiva mais otimista, meia hora de trânsito até seu destino. Roupa em desalinho, tentava melhorar sua aparência ajustando a camisa e a calça em frente ao espelho postado na parede do fundo.
Morava no décimo sétimo andar. O elevador, ao que parecia, em cumplicidade com o relógio, teimava em visitar quase todos os andares, o que o deixava ainda mais nervoso.
Quando a porta se abriu no nono andar, Marcos estava a ponto de esmurrar as paredes metálicas. Uma senhora, beirando a obesidade entrou no elevador, acompanhada de um garotinho de olhar muito agitado. A mulher dirigiu a Marcos um cumprimento automático e voltou-se para a criança.
- Comporte-se na casa de seu coleguinha, ouviu? Disse, em tom grave, enquanto segurava com gentileza o queixinho da criança.
- Pode deixar, vovó! O menino respondeu com o sorriso de quem tem outros planos em mente.
Marcos olhava para o menino, desejando, invejando aquele descompromisso. O pensamento distraiu-o da preocupação com o horário. Olhou para a senhora e comentou:
- Vida boa é a de criança... só se preocupam com a próxima brincadeira. Pena que eles cresçam tão rápido!
- É verdade. Se ele soubesse o que o aguarda na vida, aproveitaria todos os segundos da infância!
O garoto olhava para os dois adultos pensativo. Desistiu até de apertar todos os botões do painel, somente para tentar entender o que se dizia a seu respeito. De repente, o elevador parou com um forte solavanco entre o terceiro e o quarto andares. A reação foi imediata:
- Estamos presos! - Disseram Marcos e a mulher, quase em uníssono.
Os olhos do menino brilharam, como se ele estivesse a embarcar numa grande aventura.
- Vamos morar no elevador, vovó? Onde eu faço xixi? - O menino se contorcia de tanta expectativa.
- Que morar aqui o que, menino! Ficou louco? Temos de sair daqui o mais rápido possível! - Disse a senhora, que já começava a se abanar com um papel tirado da bolsa, pressentindo uma súbita falta de ar.
- Bem, ao menos temos energia, não se trata de blecaute. Creio que o porteiro vai tomar as providências e, em breve, estaremos fora daqui. - Marcos tentou acalmá-la.
A essas alturas o garoto já havia tirado um boneco da mochila que carregava e contava ao seu amiguinho imaginário que eles agora seriam prisioneiros do elevador do mal e precisariam lutar para sobreviver...
Marcos tentou usar o celular, sem sucesso.
- Não funciona aqui dentro. - disse, contrariado. Ao perceber que a senhora parecia definitivamente não se sentir bem, tentou distraí-la:
- Eu sou novo no prédio. Meu nome é Marcos. A senhora se chama?
- Inês. - A mulher esboçou um sorriso. - moro no 903 há uns 8 anos pelo menos. Com minha filha e meu neto. - Olhou para o menino sentado no chão com seus brinquedos. - Ele se chama Carlinhos.
- Oi Carlinhos! - disse Marcos, fazendo menção de apertar a mão do garoto.
- Carlos Augusto Pereira. - Carlinhos apressou-se a corrigir, com muita pompa.
- Você já estuda?
- Claro, né?  - respondeu, acrescentando: - eu não gosto de fazer tarefa, mas ela me obriga! - apontou para a avó, com olhar denunciador.
- Mesmo? Mas estudar é tão bom....
- Bom nada! bom é jogar bola, vídeo game e ver desenho na TV! - O menino estava irredutível quanto à desnecessidade de estudar.
Enquanto Marcos e Inês se divertiam com a espontaneidade do menino, ouviram ao longe a voz de seu João, o porteiro, avisando que já acionara a assistência da empresa de manutenção do elevador e que fora orientado a esperar a chegada do técnico para retirá-los de lá.
- Ótimo! - resmungou Inês.
- Que tal se a gente desenhasse um pouco? Disse Marcos, com um piscadela, para o atento Carlinhos, que respondeu: - Legal!!!
E assim passaram os 40 minutos seguintes: sentados no piso do elevador, com lápis e papeis que Marcos trazia na pasta do trabalho. Ali surgiram girafas e macacos, flores e frutas, além dos herois mais queridos de Carlinhos. Marcos trabalhava como designer gráfico e andava sempre munido de papeis brancos, canetas de várias cores e um certo estoque de criatividade. Até Dona Inês, sem nenhuma intimidade com desenho, embarcou na brincadeira e, em pouco tempo, nem se lembrava mais de estar presa numa gaiola de metal.
Quando as portas do elevador foram enfim abertas, seu João encontrou três crianças, rindo, desenhando e fantasiando. Uma bela razão para estar atrasado.

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